terça-feira, 27 de março de 2012

Avaliação - Precisamos repensar este processo...

Quem não sentiu, no meio escolar, um friozinho na barriga no dia da avaliação de Matemática ou Língua Portuguesa. Que escola é essa que apavora as pessoas no momento em que devem apresentar, com tranqüilidade e consciência-de-si, o que aprendeu no decorrer das aulas? À medida que levantamento a bandeira da escola inclusiva, nossa tarefa também será de avaliar e refletir os modelos de verificação de aprendizagem em sala de aula. A Lei 9.394/96, a LDB, ou Lei Darcy Ribeiro, como ficou mais conhecida, acabou, a rigor, com o sistema rigoroso e tirânico de notas e médias finais no processo de avaliação escolar. Claro, a nota pode existir como referência de verificação de estudos.
A nota verifica, não avalia - Toda verificação é uma forma de avaliação, mas nem toda avaliação resulta da verificação. Aliás, mesmo a verificação, tão rotineira no meio escolar, é parte do processo de aprendizagem e, portanto, não deve ser confundida com o julgamento do ensino. Ninguém aprende para ser avaliado. Nós aprendemos para termos novas atitudes e valores no palco da vida. A avaliação é meio e nunca fim do processo de ensino, não deve se comprometer em ajuizar, mas reconhecer, no processo de ensino, a formação de atitudes e valores.
A educação em valores é uma realidade legislatória. A LDB, ao se referir à verificação do rendimento escolar, determina que nós docentes observemos os critérios de avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais (Art. 24, V). Aspectos não são notas, mas registros de acompanhamento das atividades discentes. A avaliação contínua e cumulativa é um recado para todos professores que nenhuma avaliação deve se decidida no bimestre, trimestre ou semestre, mas deve resultar de um acompanhamento diário, negociado, transparente, entre docente e aluno, daí seu aspecto diagnóstico. Ou seja, constatada no processo de avaliação a não retenção de conhecimentos, toma-se a medida de superar a limitação de aprendizagem. A rigor, a avaliacão contínua e cumulativa é exatamente para nos convencer que uma nota não deriva de uma eventual prova mensal, bimestral ou semestral. A nota, quando existe, resulta de processo de aprendizagem, em que, a partir de um pacto de convivência entre professor e aluno, define-se a avaliação, satisfatória ou insatisfatória. A avaliação insatisfatória não significa reprovação com conotação de promoção ou decesso. Na educação escolar, a fase da educação infantil é o período mais fértil para mostrar as crianças que a avaliação é apenas um acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental (Art. 31).
Nos demais níveis escolares, inclusive a educação superior, a avaliação deve estar submetida aos objetivos de formação do cidadão, especialmente de levar o educando ao desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores. É na educação básica que devemos reforçar que a cola resulta de atitude negativa, pode ser tornar viciosa, prejudicial à formação de valores. Não somos estimados, na vida, no mundo do trabalho, por notas, mas por merecimento intrínseco. A nota, no meio escolar, é um julgamento de aproveitamento de estudos, expresso em números; contudo, uma nota dez, por exemplo, não é garantia de uma qualidade virtuosa. A virtude, um dos fins da educação em valores é construída a partir do sentimento de dever e do devir e nada tem a ver com notas ou conceitos de rendimento escolar. O modelo rígido de avaliação leva os educandos a colarem já na educação infantil, primeira etapa da educação básica. Os alunos na educação infantil enxergam a cola como uma forma de mostrar aos familiares e mestres o rápido desenvolvimento cognitivo. E somos nós, os adultos, os que mais exigem o desenvolvimento cognitivo das crianças a qualquer preço, especialmente quando nos referimos à leitura e à escrita ortográfica.
No segundo momento, os alunos no ensino fundamental exercitam a cola como afirmação de maturidade, de afirmação pessoal: " Eu pesco, eu passo". Já não tão diferente do que ocorrerá com os alunos no ensino médio se habituam a colar, e, finalmente, os alunos na educação superior aperfeiçoam a cola.
O quadro está simplificado, mas pensando em conseqüência dispedagógica, em resultado final, chegaríamos ao seguinte: os professores, desde a primeira fase da educação formal, entram em parafuso com essa constatação e mergulham no desvario pedagógico, sem que encontrem uma solução para essa problemática escolar. Que os alunos "pescam" é um fato. Os docentes não podem negar e simplesmente fazer vista grossa. Os professores, os mais rígidos, são as maiores vítimas da cola clandestina. Uma pesca bem tramada, utilizando recursos rudimentares ou os mais sofisticados no mundo eletrônico, ocorre principalmente nas escolas dos filhos das classes favorecidas.

Como acabei com a cola - Venho observando há quase duas décadas de magistério em escolas privadas, as melhores de Fortaleza, em escolas públicas e nas universidades, públicas e privadas. Mas, dentro desse mar de clandestinidade, consegui, nos últimos anos, reverter em cem por cento a cópia ilegal.
A façanha de eliminar a cola em sala de aula não me torna um herói, dá apenas sentido a uma educação em valores. É isso mesmo. Uma educação voltada aos valores revela, desde cedo, às crianças que, na vida, a competência cognitiva não é tão determinante na conquista de uma vaga no mercado de trabalho. As empresas desejam pessoas competentes, mas equilibradas emocionalmente, com posturas éticas nos conflitos e contradições no mundo do trabalho, que garantem não só a prosperidade mas a própria integração e solidariedade de seus funcionários.
Minha fórmula é simples: eu dou a nota. Isso mesmo. Oferto a nota como se pergunta a macaco se ele quer banana. A nota que o aluno quiser. Isso para mostrar, desde cedo, ao aluno que meu magistério não se confunde com prova formal, escrita, periódica. A prova, claro, é aplicada, mas não para dar nota, mas validade aos conhecimentos apreendidos pelo discentes e respaldar meu método de ensino. Ao contrário de se criar desordem na avaliação, cria-se uma cultura auto-avaliação a partir da consciência-de-si. Na prática, isso tem mostrado grande resultado: o fim da tensão avaliativa. Os alunos não se sentem pressionados ou tensos para aprender e realizar nossas avaliações. As provas passam a ter um caráter eminentemente de aprendizagem. Enfatizo a necessidade de estabelecermos um acordo de convivência, em que não há lugar, na sala de aula, para a prática do desarrazoado. Meu papel, no decorrer do processo de aprendizagem, não é ser um detetive ou investigador de crime escolar, pronto para descobrir as mais sofisticadas fórmulas de "pesca". Meu papel é o de educar, modificar comportamento do aluno, levá-lo adiante, fazer avançá-lo não só em aspectos quantitativos mas também em aspectos qualitativos, isto é, os valores e princípios maiores da boa ensinança. Confesso que, no início desse procedimento avaliativo, temia que muitos alunos, especialmente os mais ousados, chegassem a mim e simplesmente dissessem: "pronto, taqui, mestre, minha prova em branco. Pode colocar um dez". Esse leve temor me fez ver que, na prática docente, minha atitude não poderia ser demagógica ou falaciosa. Em sala de aula, ou você tem uma relação aberta, dialógica, fraterna, verdadeira ou não chega a lugar nenhum.
Facultar a nota e assumir uma educação em valores é o grande desafio para os novos mestres . No meu caso, já no primeiro dia de aula faço a oferta das notas e não há quem admita recebê-las espontaneamente, por puro comodismo. Confirmo a desconfiança de que vamos à escola não para aprender a tirar boas notas, e sim, termos uma formação de atitudes e valores. A vontade de aprender, e aprender em condições de tranqüilidade do espírito, é bem mais prazerosa e construtiva do que receber notas sem a paixão de aprender. A educação em valores não acolhe a lei do menor esforço.
Minha experiência diz que onde há transparência, não há clandestinidade ou ilegalidade. Se minha autonomia docente é capaz de outorgar uma nota, aparentemente graciosa, não se justifica a cola nessa situação, e sim, um maior envolvimento e solidariedade do aluno no processo de ensino proposto pelo professor. Se, eventualmente, o aluno obtiver uma nota baixa, estou ao seu lado para ajudá-lo a superar a deficiência de aprendizagem.
Decerto, esse não é melhor caminho, não é o melhor método para se acabar com a cola. Sei, apenas, que o contraveneno da cola vem das próprias entranhas da escola, da contradição de seu vício. Também nosso compromisso, no âmbito da educação escolar, não é perseguir métodos, e sim, conscientizar nossos alunos de que o conhecimento cognitivo não deve ser tomado como única garantia, no mundo do trabalho, de prosperidade ou sucesso na vida.

Este artigo resulta dos trabalhos de investigação do professor Vicente Martins sobre Política Educacional a partir da nova LDB
Vicente Martins - Professor de Lingüística da UVA com mestrado em educação pela UFC

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